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Entrevista com Júlio Lancellotti


09/01/2017
12:20 PM
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Alfredo Henrique
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Atualizado em 09/01/2017 12:21 pm

Quando se fala em defesa dos direitos das pessoas em situação de rua fica impossível não se lembrar das ações promovidas pelo padre e ativista Júlio Lancellotti. Ele também é o Vigário Episcopal do povo de rua em São Paulo.

O religioso, que é formado em pedagogia e teologia, conversou com esta Folha Metropolitana sobre suas expectativas para 2017 com relação à políticas públicas voltadas aos excluídos – incluindo a população de Lésbicas, Gays, Bi e Transexuais (LGBT), negros, idosos e crianças.

Lancellotti mantém um trabalho constante na região da Luz, em São Paulo, local em que se concentram centenas de usuários de crack. O Padre é doutor honoris causa pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP); recebeu o prêmio Alceu Amoroso Lima da Universidade Candido Mendes; também integra a Pastoral do Menor, além de inúmeras comissões de Direitos Humanos.

Lancellotti é cético com relação à políticas públicas voltadas aos excluídos. Para ele, a burocracia, aliada ao preconceito, são os grandes vilões para se combater as desigualdades evidentes dos grandes centros. “O sistema tem uma lógica e o morador de rua faz parte dessa lógica (capitalista). A criminalização dos movimentos sociais também é muito forte”, afirmou.

 

Folha Metropolitana – Gostaria que o senhor falasse sobre o “estigma” representado pelos moradores de rua às pessoas preconceituosas.

Júlio Lancellotti – A maioria do lixo jogado na rua não é dos moradores de rua. Em uma cidade com 16 milhões de pessoas, as pessoas em situação de rua seriam entre 15 mil e 20 mil. Segundo algumas pessoas desinformadas, são eles (moradores de rua)que sujam a cidade.

Em bairros de classe média, por exemplo, após a realização de eventos, sobra lixo nas ruas e não são os moradores de rua que fazem as atividades e, consequentemente, sujam a região. Pelo contrário muitos são recicladores.

 

Eles inclusive não têm condições de gerar tanto lixo, pois não tem condições de bancar o consumo.

Sim. A população de rua, inclusive, não tem o poder de consumo para fabricar tanto lixo, como as toneladas produzidas em apartamentos e condomínios.

Uma cidade, para ser limpa, precisa antes de tudo ser humanizada.

 

E este fenômeno preconceituoso não é algo isolado, certo?

Isso é algo geral no Estado de São Paulo. Converso com padres da região metropolitana, incluindo Guarulhos, sobre a criminalização do morador de rua. Se Boletins de Ocorrência (registrados pela Polícia Civil) forem analisados, fica constatado que não são os moradores de rua quem cometem a maioria dos crimes.

Geralmente se atribui aos moradores de rua coisas que eles não fazem. O número de moradores de rua ligados à violência, como autores, é baixíssimo.

 

A pessoa em situação de rua é então mais vítima do que ‘vitimadora’.

A polícia não aceita fazer BO com moradores de rua pelo fato deles não terem documentos. Eles são ainda mais vítimas por questão de preconceito, solidão.

Algumas pessoas hostilizam os moradores de rua taxando eles de vagabundos, pelo fato de que alguns dormem durante o dia.

Isso, na verdade, é uma questão de segurança. De madrugada, eles se tornam alvos indefesos. Por isso,  preferem em alguns casos dormir de dia e ficar de noite acordados.

 

E como essa dura realidade poderia ser modificada ou, pelo menos, minimizada?

O que vai melhorar São Paulo é a limpeza, em primeiro lugar, da consciência das pessoas.

Em um ano de crise, que pode se estender por um bom tempo e levar mais gente para a rua, é necessário trabalhar para que não haja nenhuma ação de remoção,  que se proponha um plano de emergência que seja feito para proteger as pessoas que chegam às ruas – que perdem emprego, são despejadas.

 

E entre os moradores de rua, também há os “excluídos dos excluídos”, como as pessoas  de orientação LGBT que, em muitos casos, são expulsas de casa por conta da orientação sexual e de gênero.

Mais do que opção, é identidade de gênero que eles assumem. Grande parte é colocada para fora pela família e pelas igrejas. Eles são seres humanos que devem ser respeitados e acolhidos. Trabalho com muitos deles, que vem buscar roupas.

Um drama que vejo ocorre com as mulheres trans e travestis, que usam silicone industrial que acaba “caindo” para os pés delas. Por isso, precisam de atendimento específico, precisam ser socorridas. O Papa Francisco aponta para essa direção, da mesma forma que (o ensinamento de) Jesus aponta.

Estamos vivendo o tempo logo após o Natal. Ele não é uma fantasia ou romantismo, mas serve para abrir a porta para Deus e, consequentemente,  ajudar os mais sofridos.

Ainda há uma constatação mais triste: a de que há homofobia entre os moradores de rua também.

 

O senhor está otimista com relação ao ano-novo?

2017 vai ser um ano muito difícil, por causa da PEC 55 (que propõe o congelamento de gastos sociais por 20 anos), creio que teremos muitos problemas, a população de rua vai aumentar – não vai ter respostas para todas as necessidades.

O sistema tem uma lógica e o morador de rua faz parte dessa lógica (capitalista). A criminalização dos movimentos sociais também é muito forte.

 

Padre Júlio, você crê em políticas públicas eficientes e imediatas?

O governo gasta para manter uma estrutura autofágica (que se autoconsome) e as respostas são institucionais – o povo de rua é muito heterogêneo, não dá para dar poucas e grandes respostas, mas muitas e pequenas.

Está aumentando o número de mulheres com crianças, LGBT, jovens e idosos nas ruas.

Dentro do sistema não há resposta única para melhorar, precisamos de respostas mais rápidas, criativas e sem burocracia.


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