É merecedora de aplausos a atuação dos militares brasileiros na reconstrução do Haiti pós-terremoto. Basta comparar o tempo gasto em obras tocadas pelo governo local e pela Companhia de Engenharia do Exército (Braengcoy). Só para ilustrar, um exemplo bem simples. Durante nossa passagem por lá, fomos obrigados a fazer um longo desvio sempre que precisamos sair ou voltar ao Campo Charlie.
Uma ponte está sendo construída em avenida das proximidades, onde fica a Embaixada dos Estados Unidos. É obra do governo que já dura meses. Em apenas 15 dias, o Braengcoy construiu uma passagem lateral, com ponte capaz de aguentar as pesadas viaturas, e se livrou do desvio.
Se a ação repressiva mais intensa terminou em 2007, a posterior necessidade de atuação social aproximou demais os militares do povo. A maneira com a qual os haitianos tratam os “bon bagays” mostra o quanto o trabalho é bem feito e transcende a intimidadora imagem do soldado armado. “Isso é típico do brasileiro. Está no nosso DNA. Soldados americanos ou europeus não possuem tal ‘calor humano’”, ouvimos de mais de um oficial.
Na quarta-feira, 3 de dezembro, visitamos duas obras feitas pelo Exército. Fomos à inauguração de uma pista de pentatlo militar (aquelas repletas de obstáculos para treinamento da PNH) na Academia de Polícia, em Pétionville. E ao local que é administrado por duas ordens religiosas e que atendem a 170 crianças entre dois e nove anos.
Neste último, foi o Braengcoy que ergueu uma escola de três andares e outro pavimento onde são servidos alimentos e prestados atendimentos médicos. Freiras do Sagrado Coração de Jesus (SCJ) cuidam da educação; freis da Ordem dos Franciscanos cuidam da nutrição e da saúde. “Aqui as crianças recebem duas refeições por dia”, explicou a freira Claudia Aurieme. Isso é luxo no Haiti. O intérprete Max Lensky, o Augustinho, disse que ele mesmo só se alimenta uma vez por dia. “Carne é só nos fins de semana. De segunda a sexta-feira é só arroz. De vez em quando tem milho ou mandioca”, desabafou.
A tarde naquele local foi bastante intensa. Brincamos com as crianças, ouvimos canções de boas vindas dos alunos em sala de aula e conversamos com verdadeiros anjos da guarda daquela gente. Frei Afonso Lamberti é um deles. Disse ter levado ao hospital, havia poucos dias, uma criança que desfalecia nos braços da mãe por desnutrição. “Aqui não há serviço público de saúde. Tudo é pago. A mãe não tinha condições e via seu filho morrer à míngua”, contou.
Após ouvir pelo menos quatro histórias tristes, perguntei ao frei se ele ainda tinha esperanças naquele país. Sem titubear, ele rebateu com um convincente “sempre”. “Se eu não tivesse esperança não estaria mais aqui. Enquanto tiver gente para atender nós vamos atender”, completou, com sorriso nos lábios.
Naquele dia, eu e Alexandre voltamos para a base em um silêncio ensurdecedor, só interrompido por teimosas lágrimas que caiam devagar.