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Duas faces da extrema pobreza


13/01/2015
7:30 PM
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Paulo Manso / Fotos: Alexandre de Paulo
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Atualizado em 14/01/2015 11:04 am

Na noite de domingo, 30 de novembro, nossa ansiedade era bem maior que o cansaço da longa viagem. Antes de dormir, conhecemos três oficiais da Companhia de Engenharia do Exército (Braengcoy): o major Adailton Bortolucci (subcomandante), o capitão Monteiro de Barros e a tenente Leciane Moreira (ambos da Comunicação Social).

Eles sugeriram uma ‘senhora’ pauta para o dia seguinte: uma ação de Cooperação Civil-Militar no Lac Azuéi, localizado a sudeste do Haiti, próximo da fronteira com a República Dominicana, em Mal Paso, e distante aproximadamente 50 km do Campo Charlie. Teríamos que levantar às 4h para acompanhar os comboios que levavam botes infláveis e mantimentos a uma comunidade isolada.

A operação era uma parceria do casal de missionários Ana Lúcia e Francisco Cesar, ligados à Igreja do Evangelho Quadrangular, com a Braengcoy. “Já estive em Angola e há dois anos estou no Haiti, de onde não pretendo sair”, disse Ana. “Conhecemos o pessoal do Exército através de um trabalho em comum num dos cinco orfanatos com os quais trabalho com meu marido dando educação para adultos.”

Chegamos ao lago às 7h em um micro-ônibus junto do tenente-coronel Alessandro da Silva, comandante da Braengcoy. “O trabalho começou há duas semanas nesta aldeia, com uma viagem de reconhecimento”, explicou. “No início eles estranharam, já que disseram nunca ter recebido uma ajuda humanitária.”

O lugar tinha visual paradisíaco. O calor era forte. Setenta e dois homens (incluindo alguns oficiais da tropa peruana que compõem a Minustah) em três botes carregaram os donativos até um ponto remoto do outro lado do lago.

O contraste entre aquele paraíso e a aldeia era gritante. A travessia durou cerca de 10 minutos. Ao chegarmos, uma pequena multidão já se aglomerava nas margens do lago. Port Glacé existe desde 1966, segundo um morador, que afirmou viverem ali cerca de 400 pessoas. Prefiro dizer que sobrevivem. Pareciam bichos. Acuados, na defensiva. Poucos demonstraram alegria com a nossa chegada. A maioria pareceu reticente. Não possuem energia elétrica, água potável, saneamento básico.

Descemos dos botes e o solo cheio de pequenas pedras tinha espalhado muito lixo misturado com fezes. As pessoas fazem as necessidades em qualquer lugar. Pequenos animais parecidos com calangos, apressados, fugiam de nossos passos.

Os militares organizaram uma fila e montaram barracas para distribuir um tipo de donativo em cada uma: água, depois cestas básicas, remédios, roupas e brinquedos para as várias crianças.

O mais complicado era manter a calma no momento de organizar a fila. Ninguém queria ficar para trás, não importando se quem está na frente é um idoso, uma mulher grávida ou com um bebê de colo. A falta de solidariedade era nítida. Em uma explanação sobre as ações civis-militares que tivemos na base, o coronel Josoé Lubas falou sobre a teoria da hierarquia das motivações humanas, de Abraham Maslow. Segundo o estudo, na base da pirâmide estão as necessidades mais básicas, como comer e beber. É exatamente neste patamar que se encontra a maioria dos haitianos. 80% da população vivem abaixo da linha da miséria. Como esperar consciência solidária quando chega comida?

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Muitas pessoas nos perguntaram, quando voltamos ao Brasil, se havia algum lugar em nosso País que pudesse ser comparado aos bairros miseráveis de Porto Príncipe. Para todos a resposta foi negativa. A pobreza verificada no Haiti foge a todos os padrões. Chegava a dores nos ouvidos o discurso de que o país caribenho está bem melhor hoje do que logo após o terremoto, em 2010.

É difícil imaginar algo mais degradante do que vimos. Crianças comendo terra para não morrer de fome. Famílias buscando água insalubre para consumo e banho. Pessoas morando nas ruas por não aguentarem o calor dentro dos barracos feitos de paredes e telhados de zinco. O Haiti mudou todas as nossas referências de pobreza. Não há mais como observar a miséria humana com os mesmos olhos.

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